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Ex-capitão do exército, Jair Bolsonaro tomou posse como presidente do Brasil neste último dia primeiro de janeiro. Sua eleição marca a mudança política mais radical no país desde o fim do regime militar, há mais de 30 anos. Falamos com Fernando Haddad, ex-candidato à presidência do Brasil pelo Partido dos Trabalhadores, que perdeu em um segundo turno para Jair Bolsonaro. Haddad é ex-prefeito de São Paulo e foi ministro da educação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
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AMY GOODMAN: Este é o Democracy Now!. Eu sou Amy Goodman, com Juan González.
JUAN GONZÁLEZ: Nos voltamos agora para o Brasil, onde um ex-capitão do Exército, Jair Bolsonaro, tomou posse como presidente da quarta maior democracia do mundo, no último dia primeiro de janeiro.
PRESIDENTE JAIR BOLSONARO: “E me coloco diante de toda a nação, neste dia, como o dia em que o povo começou a se libertar do socialismo… esta é nossa bandeira, e ela jamais será vermelha”.
JUAN GONZÁLEZ: Bolsonaro se tornou o 38º presidente do Brasil, marcando a mudança política mais radical no país desde o fim do regime militar, há mais de 30 anos. Muitos temem que a jovem democracia Brasileira esteja agora em risco. Bolsonaro anunciou que o Brasil deixará de sediar a Conferência do clima das Nações Unidas deste ano. Enquanto isso, ambientalistas temem que ele acelere mudanças climáticas catastróficas, abrindo vastas áreas da Amazônia para gigantes do agronegócio. O novo ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, descreveu a mudança climática como uma conspiração do marxismo cultural com o objetivo de ajudar a China.
AMY GOODMAN: Até o momento, Bolsonaro nomeou cinco ex-oficiais militares para trabalhar em seu gabinete. Durante anos, Bolsonaro elogiou a antiga ditadura militar do Brasil, que terminou há 33 anos. Ele também já fez declarações a favor da tortura e ameaçou destruir, aprisionar ou banir seus oponentes políticos. Grupos de direitos humanos também estão alarmados com os comentários já feitos por Bolsonaro sobre as mulheres e a comunidade LGBT. Ele, por exemplo, disse certa vez a uma deputada que ela era muito feia para ser estuprada. Ele também já disse que preferiria ver seu filho morrendo em um acidente de carro do que saber que ele era gay.
Mas Bolsonaro foi recebido calorosamente pela administração de Trump. O conselheiro de segurança nacional, John Bolton, descreveu Bolsonaro como um parceiro de “mentalidade semelhante”. Bolton e Bolsonaro se encontraram no Rio em novembro, onde teriam conversado sobre comércio, Israel e Cuba. Durante a reunião, Bolton convidou Bolsonaro para ir a Washington.
JUAN GONZÁLEZ: Na frente econômica, Jair Bolsonaro contratou um economista formado pela Universidade de Chicago para supervisionar seu plano econômico, que inclui o corte de aposentadorias e a privatização em massa de muitas empresas estatais. O economista Paulo Guedes atuou também na Universidade do Chile durante a ditadura de Pinochet.
Bolsonaro escolheu recentemente Sérgio Moro para atuar como ministro da justiça. Moro é o juiz que condenou o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva em um caso controverso de corrupção que impediu Lula de concorrer à presidência nas eleições do ano passado, o que ajudou a criar o caminho para a vitória de Bolsonaro.
AMY GOODMAN: Lula segue ainda na prisão, cumprindo uma pena de 12 anos. O Democracy Now! conversou recentemente com Fernando Haddad, que disputou as eleições com Bolsonaro pelo PT, uma vez que Lula foi impedido de concorrer. Bolsonaro venceu por 55 contra 45 por cento. Haddad é ex-ministro da Educação do Brasil e ex-prefeito de São Paulo, uma das maiores cidades do mundo. Comecei perguntando a Fernando Haddad sobre as comparações entre Bolsonaro e Donald Trump.
FERNANDO HADDAD: Na verdade, eu já declarei que o Bolsonaro só pode ser considerado indevidamente um Trump dos trópicos. Porque na verdade eles têm uma agenda comum que é uma agenda bastante regressiva em termos de direitos civis, sociais e ambientais. Mas do ponto de vista econômico existe uma diferença bastante grande entre eles. Bolsonaro adota uma política regressiva no campo dos direitos mas ele adota uma política neoliberal no campo econômico. Paulo Guedes, como você mencionou, que será o seu ministro da Economia, é uma pessoa formada na Universidade da Universidade de Chicago e que mantém as crenças naquele tipo de pensamento que foi derrotado pela história de liberalização total. Você mencionava a venda massiva de ativos estatais sobretudo petróleo e empresas que são hoje gerenciadas pelo governo. Haverá provavelmente o ano que vem uma privatização selvagem desses ativos e uma luta desenfreada contra direitos trabalhistas e sociais no Brasil. Uma desregulamentação completa do orçamento público que protege os mais pobres e dos trabalhadores na sua relação com seus empregadores.
Então do ponto de vista econômico há uma diferença que possa ser notada. O Brasil está adotando novamente uma agenda neoliberal muito forte para além do que aconteceu nos anos 90.
AMY GOODMAN: Você pode falar um pouco sobre o Gabinete que Bolsonaro está montando agora, com cinco ex-oficiais militares que costumam fazer elogios à antiga ditadura militar?
FERNANDO HADDAD: Olha é inédito. Eu penso que no Brasil com certeza, mas eu registraria que dificilmente vai se achar uma democracia moderna com tantos militares nomeados como acontece no futuro governo Bolsonaro. Portanto é uma aliança que envolve no fronte externo um alinhamento com as políticas do Trump, fortemente regressivas conforme eu assinalei, do ponto de vista econômico, o neoliberalismo radicalizado, mas eu faria questão de mencionar também um certo apreço do Bolsonaro por uma agenda fundamentalista do ponto de vista de costumes.
Uma pessoa que se aproximou muito do neo pentecostalismo que é recente no Brasil e vem adotando práticas de hostilidade a minorias políticas no Brasil mas mesmo a maiorias como negros e mulheres que também a todo instante recebem da parte dele mensagens hostis. E pra isso funcionar., dificilmente isso ocorreria sem um forte suporte militar, até para manter coerência com o discurso de enaltecimento da ditadura militar no Brasil que começou em 64 e terminou em 85. Bolsonaro manteve coerência ao longo de toda a sua vida enaltecendo não só a ditadura ela própria, mas os métodos da ditadura de se manter no poder, inclusive a tortura.
AMY GOODMAN: Bolsonaro ameaçou destruir, prender ou banir do país seus adversários políticos. Bom, certamente você é um dos principais deles. Você concorreu com ele pela presidência, e o homem que estava concorrendo antes, o Lula, está na prisão. Você não está preocupado?
FERNANDO HADDAD: Olha eu fico mais preocupado com as consequências do discurso do Bolsonaro na vida do cidadão comum do que na minha. Porque o que está acontecendo no Brasil é que as pessoas comuns; jornalistas, professores universitários, comunidade LGBT, essas pessoas estão se sentindo inseguras no Brasil. E a minha preocupação é com elas porque eu tenho visibilidade suficiente e meios suficientes para me proteger. Quem se envolve em política na América Latina atual não pode ter medo do que quer que seja porque não tem esse direito. Mas a minha preocupação é com as pessoas comuns com o cidadão comum que pode estar sofrendo nesse momento a angústia de não ter da parte do Estado a segurança devida. Esse é o maior problema que o Brasil enfrenta e a resistência partirá também dessas pessoas.
Porque o Brasil é muito complexo. Os 45 por cento de eleitores que eu tive vão se organizar e vão resistir a esse tipo de ameaça. Então eu quero crer que haverá no Brasil como há nos Estados Unidos uma organização em proveito dos direitos que são defendidos há 200 anos pelo mundo ocidental. As jornadas de ampliação dos direitos civis políticos sociais e ambientais. Essas jornadas não vão desaparecer depois de 200 anos de luta.
AMY GOODMAN: Quando você entrou em nosso estúdio hoje e eu perguntei o que você está fazendo aqui nos Estados Unidos, você disse, bem, Trump está no poder há dois anos… vocês estão se preparando para o Bolsonaro. Fale sobre isso, o que isso significa para você.
FERNANDO HADDAD: Olha, eu considero a administração de Trump um enorme retrocesso em relação àquilo que eu acredito que é o objetivo da política. O objetivo da política é sempre construir cenários em que o horizonte dos indivíduos se amplie cada vez mais. Qualquer ação política que visa restringir o horizonte dos indivíduos na minha opinião é uma ação regressiva em relação àquilo que são os valores políticos que eu prezo. O Bolsonaro nesse aspecto é um aliado do Trump. Ele é uma pessoa que anuncia a todo o momento uma restrição de direitos e eu incluo a questão dos direitos ambientais nisso, que para mim o direito ambiental é um direito humano. Porque diz respeito ao futuro das próximas gerações. Então salvaguardar o direito das futuras gerações habitar um planeta saudável é parte dessa grande jornada ocidental de ampliação dos horizontes para cada um de nós e para as futuras gerações. Então eu quero entender o que está acontecendo nos Estados Unidos. Eu mesmo, como professor universitário, previa uma vitória do Trump pelos movimentos que eu observava no mundo; eu sou professor de ciência política. Eu penso que os Estados Unidos servem de laboratório para nós. Para nós organizamos uma oposição que não seja uma oposição ao país, mas que seja uma oposição a favor do humanismo, a favor da espécie humana, a favor da ampliação daquilo que eu reconheço como um espaço libertário de emancipação de cada um de nós.
AMY GOODMAN: O presidente Trump chama a mídia de inimiga do povo. Fale sobre o papel da mídia no Brasil; também, em sua campanha concorrendo à presidência, a quem esta mídia serviu.
FERNANDO HADDAD: Olha, a mídia no Brasil é muito conservadora. Primeiro, porque está na mão de muito poucas famílias. Nós temos poucos grupos de comunicação no Brasil. É quase um cartel; e funciona ideologicamente como se fosse um monopólio. Isso que é o mais gritante. Embora sejam quatro ou cinco famílias que dominem a informação no Brasil, do ponto de vista ideológico elas estão muito alinhadas com o mesmo propósito. Desde sempre. No golpe de 1964, ela atuou junto, de forma coerente. No golpe de 2016, o golpe parlamentar que resultou no impeachment, também ela atuou de forma uníssona. Ou seja, ela atua em bloco, ela tem a mesma ideologia. É como se todos ali fossem a Fox News, como se não tivesse nada diferente da Fox News no Brasil. Então nós não temos uma pluralidade de opiniões como nos Estados Unidos então é ainda mais duro lá do que aqui. E ainda assim o governo eleito, o governo Bolsonaro, critica o pouco que resta de jornalismo efetivo no Brasil. O pouco que restou de pensamento crítico é hostilizado pelos membros do futuro governo.
AMY GOODMAN: Bolsonaro chama a mídia no Brasil de “fake news”, assim como Trump chama a mídia daqui. Que impacto você acha que o Facebook teve nas eleições? O Facebook, que é proprietário também do Whatsapp, esse aplicativo de mensagens super popular que foi largamente usado para distribuir notícias falsas durante as eleições.
FERNDANDO HADDAD: Olha, o Whatsapp no Brasil teve um papel decisivo nas eleições. Nós temos uma eleição em dois turnos no Brasil porque nós temos muitos partidos e a eleição se dá em dois turnos. Até a semana que antecedeu o primeiro turno todas as pesquisas me davam como o vitorioso nas projeções de segundo turno. Ou seja, as pesquisas diziam que eu não só iria para o segundo turno, mas provavelmente seria vitorioso. Isso acabou em uma semana apenas, com um disparo massivo de mensagens falsas que usaram, não o Twitter, não o Facebook, mas justamente o Whatsapp. E foi muito difícil no segundo turno reverter o estrago feito na última semana do primeiro turno, foi realmente muito impressionante. E eu digo a você, Amy, que nós não sabemos como lidar com esse novo fenômeno. Não temos ideia do que está por trás disso, do recurso que está por trás disso, de quais são os financiadores dessas ações que não acontecem só no Brasil. Há vários especialistas inclusive americanos dizendo que Brasil, Brexit, Trump, Salvini na Italia, são parte do mesmo processo o que pode ocorrer agora na Europa Ocidental. Porque haverão eleições na Europa Ocidental no próximo ano e questões como o clima, a União Européia, tudo isso estará sendo discutido, o multilateralismo. São vários temas que vão estar sendo discutidos, da maior importância. E para aqueles que defendem um mundo plural em que não haja hegemonia de uma potência, mas espaços para que as pessoas possam se organizar com mais liberdade e atuar democraticamente como cidadãos, é muito preocupante a ação obscura de grupos desconhecidos mas que na base do dinheiro atuam nas redes sociais.
AMY GOODMAN: Vamos falar sobre os indígenas no Brasil. A Amazônia é relevante tanto na questão do meio ambiente quanto na questão indígena, isso tanto para o Brasil mas também para todo o mundo. Bolsonaro disse uma vez: “É uma pena que a cavalaria brasileira não tenha sido tão eficiente quanto a americana que exterminou os índios.” Fernando Haddad?
FERNANDO HADDAD: Olha, como você bem notou, a questão indígena e a questão ambiental estão no Brasil intimamente conectadas. Porque a melhor forma que nós encontramos para preservar as nossas florestas foi justamente a preservação das reservas indígenas e a demarcação dessas reservas.
Há uma conexão íntima entre a diminuição do desmatamento da Amazônia, que ocorreu durante todo o século 21 praticamente, e a questão dos direitos indígenas à auto preservação. Quando o mesmo governo eleito anuncia que vai sair da Cúpula do Clima e parar de demarcar terras indígenas, e ele fala 'nem um milímetro a mais de terras indígenas', essa questão está absolutamente conectada. Existe uma força de resistência a isso no Brasil, e inclusive por parte do agronegócio mais lúcido. Porque o agronegócio mais lúcido entende que a certificação dos nossos produtos depende de um compromisso ambiental, e que os nossos compradores se sentirão traídos se nós não mantivermos um compromisso com o clima. Ou seja, aqueles que compram produtos brasileiros, uma parte deles, está interessada em saber da procedência desses produtos e de como estão sendo produzidos.
Se nós ao contrário, fizermos uma aposta no desmatamento para a ampliação da fronteira agrícola, o que é absolutamente dispensável porque nós temos terra nua suficiente para ampliar a nossa produção sem derrubar uma única árvore. Se nós fizermos essa aposta nós podemos ter inclusive um comprometimento da nossa agenda externa. Então não é claro tampouco que nós teremos algum ganho econômico com essa agenda proposta pelo Bolsonaro.
Então nós temos uma reação no Brasil. Ele havia anunciado a extinção do Ministério do Meio Ambiente e teve que recuar dessa decisão justamente pelo compromisso de grande parte da sociedade com o tema ambiental. Então nessa questão não podemos dar nada como perdido. Nós temos que resistir a todas essas propostas regressivas e esclarecer a sociedade sobre o que está em jogo porque não é claro sequer que haverá ganhos econômicos de curto prazo.
AMY GOODMAN: Você planejar se candidatar a presidência do Brasil outra vez?
FERNANDO HADDAD: Olha, eu não tenho projetos pessoais. Eu sempre acreditei em projetos coletivos. Eu penso que, ao seu tempo, as forças às quais eu pertenço vão saber designa a pessoa que pode nos representar da melhor forma. Espero ter respondido aos anseios dessas forças na última eleição e espero que nós façamos uma boa escolha em 2022.
AMY GOODMAN: Você visitou o Lula na cadeia? Como ele está?
FERNANDO HADDAD: Sempre. Eu fui advogado do Lula e sou até hoje, e atuo em defesa dele no Brasil e fora do Brasil. Porque acredito realmente que ele foi alvo de um processo injusto. Eu reconheço que depois da eleição ele sentiu, sentiu a pressão da história, vamos dizer assim, do resultado eleitoral. Mas ele tem uma capacidade muito grande de regeneração. Lula já enfrentou… não é a primeira prisão dele. Ele já foi preso enquanto sindicalista ao final dos anos 70, perdeu a mulher, venceu um câncer, foi derrotado em três eleições antes de se tornar presidente. Enfim, tem uma história de muita força e superação. Espero que ele supere mais essa situação.
AMY GOODMAN: Fernando Haddad, ex-candidato presidencial brasileiro pelo PT, que perdeu para Jair Bolsonaro no segundo turno em outubro. O presidente Bolsonaro tomou posse do cargo no último dia primeiro de janeiro, declarando a libertação do Brasil do socialismo. Eu sou a Amy Goodman. Obrigada por estar conosco.